DE BASHAR AL-ASSAD AO FOLHA 8

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) anunciou hoje que o Presidente sírio, Bashar al-Assad, deixou o país, perante a ofensiva rebelde. Hoje recordo o meu texto, publicado em 10 de Janeiro de 2012, sob o título “Estará o Folha 8 a desestabilizar a Síria?”.

Por Orlando Castro

Em declarações à agência de notícias France-Presse (AFP) o director da organização não-governamental, Rami Abdel Rahmane, referindo-se ao Presidente da Síria, que dirige o país há 24 anos, afirmou que “Assad deixou a Síria [e saiu] pelo aeroporto de Damasco, antes da retirada dos membros das forças armadas e de segurança” do local.

O OSDH, com sede em Londres e uma vasta rede de informadores na Síria, tinha já indicado que, face ao avanço das forças rebeldes, o exército e as forças de segurança tinham abandonado o aeroporto de Damasco. A ordem de retirada foi dada aos oficiais e aos soldados das forças governamentais. À AFP, habitantes da capital disseram ter ouvido tiros na cidade.

O grupo fundamentalista islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS), que lidera uma coligação rebelde na Síria, anunciou ter começado a entrar em Damasco.

“As nossas forças começaram a entrar em Damasco”, declarou o HTS numa mensagem na plataforma Telegram, depois de ter conquistado várias outras cidades chave no país.

Em Janeiro de 2012, sob o título “Estará o Folha 8 a desestabilizar a Síria?”, publiquei o texto que se segue:

«O presidente sírio, Bashar al-Assad, fazendo uso – como se sabe – da sua legitimidade democrática, afirmou hoje que vai resistir com “mão de ferro” às tentativas para o afastar e que não vai abandonar o poder, insistindo que continua a ter apoio popular.

No quarto discurso que pronunciou desde o início da revolta popular no país, há 10 meses, Al-Assad voltou a acusar interesses estrangeiros e terroristas de tentarem desestabilizar o país e a assegurar que não deu ordens para que as forças de segurança disparassem sobre civis.

“A nossa prioridade agora é recuperar a segurança de que gozámos ao longo de décadas e isto só pode ser alcançado se enfrentarmos os terroristas com mão de ferro”, disse Assad no discurso, pronunciado na Universidade de Damasco e transmitido pela televisão estatal.

Terroristas que, para além de outros meios, usam a comunicação social como instrumento de desestabilização. Embora não tenha referido, tanto quanto sei, o nome desses meios, quer-me parecer que o Folha 8 deve ser um deles.

Em Angola, tal como na Síria, para além dos milhões que legitimamente só se preocupam em encontrar alguma coisa para matar a fome, uma minoria privilegiada só se preocupa em ter mais e mais, custe o que custar.

Quando alguém diz isto, e são cada vez menos a dizê-lo mais cada vez mais a pensá-lo, corre o sério risco de que os donos do poder o mandem calar, se possível definitivamente. É o que se passa com o Folha 8.

Mas. como dizia Frei João Domingos, “não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”.

E são muitos os que já morreram por isso. Se mesmo os que não vivem no reino de José Eduardo dos Santos estão na linha de fogo, o que dizer dos que lá sobrevivem? Todo o cuidado é pouco.

O presidente que há 32 anos domina, sem nunca ter sido eleito, Angola, continua, mesmo fora do seu país, a dar ordens para calar os que teimam em dizer a verdade ou, pelo menos, o que pensam ser a verdade.

Citando de novo, e tantas vezes quantas forem preciso, Frei João Domingos, em Angola “muitos governantes têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.

Mas esses, apesar de podres por dentro, continuam a viver à grande e à MPLA, enquanto o Povo morre de fome.

Convém não esquecer que, por exemplo, o dirigente e ministro do MPLA, Kundi Paihama, afirmou em tempos recentes: “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”.

Esta é, aliás, a filosofia basilar do MPLA, partido que continua a pensar que Angola é o MPLA e que o MPLA é Angola. O que sobra não vai para os pobres, vai para os coitados dos cães.

E por que não vai para os pobres?, perguntam vocês, eu também, tal como os milhões que todos os dias passam fome. Não vai porque não há pobres em Angola. E se não há pobres, mas há cães…

Continuemos com a tese de Kundi Paihama: “Eu semanalmente mando um avião para as minhas fazendas buscar duas cabeças de gado; uma para mim e filhos e outra para os cães”.

Quanto aos angolanos, aos outros angolanos, citando de novo Kundi Paihama, que comam farelo porque “os porcos também comem e não morrem”.

Embora seja um exercício suicida, importa aos vivos (e o Folha 8 está vivo) não se calarem, continuando a denunciar as injustiças, para que Angola possa um dia ser diferente, ser de todos os angolanos.

“O Povo sofre e passa fome. Os países valem pelas pessoas e não pelos diamantes, petróleo e outras riquezas”, disse também Frei João Domingos.

Mas, como diria o camarada Eduardo dos Santos, a luta continua. Tem de continuar. E o Folha 8 vai certamente continuar. Até porque não há nenhum Bashar al-Assad ou Eduardo dos Santos que possa calar a voz do Povo.»

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